Nem toda piada tem graça.
Eu sou de 1970, cresci vendo os Trapalhões e dando risada de tudo que era dito. Se você já ouviu piada de “loira”, de “negão” ou de “gay” e deu risada, está na hora de você pensar melhor sobre isso, porque nem toda piada tem graça. Se dói em alguém, não tem graça.
Mas vamos começar do melhor lugar, o começo. Eu gosto de falar para aquelas pessoas que estão prontas para dar o salto, para virar a chave, mas que ainda acham que precisam de mais. De mais um curso, de mais tempo, de mais energia, e ignoram que já estão prontas! Gosto de falar para você que está assim porque muitas coisas passam pela sua frente e você nem sempre percebe.
Como piadas, por exemplo. Dia desses recebi uma piada que falava de cargos nas empresas, e esculachava com todas as pessoas, funcionários, prestadores de serviços, ferramentas, com tudo que existia no ambiente corporativo. Fiquei incomodado e impressionado, porque é o ambiente que eu vivo, e considerei que quem tinha escrito aquilo deveria ter um emprego miserável, um ambiente de trabalho doente e uma vida horrível. Porque só assim para conseguir falar tão mal de tudo, absolutamente tudo que existe no ambiente profissional.
“Mas é só uma piada!” alguém me disse e você pode ter pensado. Para que levar uma piada tão a sério? Porque se a sua risada causa incômodo ou dor em alguém, então está errado. Dá pra rir, fazer humor, zoar, sem ser ofensivo, grosseiro ou desrespeitoso. E sei que muita gente defende que o humor não pode ter limites, que existem públicos para todos os tipos de humor, mesmo os depreciativos. Eu aceito esse argumento, mesmo não concordando com ele. Sei que eu, por exemplo, não sou público de piadas depreciativas, ofensivas ou preconceituosas. Não sou mais, porque já fui, reconheço. Eu ri de muita piada racista, machista e homofóbica na minha vida. Mas tento virar essa chave, um dia de cada vez.
Um dos meus propósitos como pai sempre foi mostrar para meus filhos que toda forma de vida merece respeito. Atenção, toda forma de vida! Se ensinei a eles que não é necessário matar uma formiga que anda na mesa, imagine o que lhes passei sobre outras pessoas. Estamos falando de respeito, de convivência nesse planeta e nesse plano, estou falando de conduzir sua vida assumindo as responsabilidades de seus atos.
Vejo alguns comentários que dizem que “na minha infância os Trapalhões faziam piada com negros, gays e mulheres e ninguém reclamava. Hoje o mundo está muito fresco!”. Não, vamos corrigir isso. Hoje o mundo está muito plural, com muito mais gente, de muitos mais diferentes tipos de comportamento e que entenderam que merecem respeito tanto quanto qualquer outro ser vivente.
O Mussum e toda a comunidade negra aceitavam as piadas racistas dos Trapalhões porque não se viam no direito de reclamar, porque todo mundo achava normal e porque era tido como engraçado. Mas doía em alguém, padawan. Se doía em alguém não podia estar certo. Faziam piadas sobre as mulheres e as mulheres riam. Riam porque não se viam no direito de não rir, de reclamar e de garantir o respeito que são merecedoras. Eram tempos terríveis.
Mais do que sentir saudade de um tempo em que as minorias não podiam reclamar, devíamos lamentar por ter vivido um tempo assim. Um tempo em que uma pessoa podia ser esculachada e ridicularizada por ter nascido de um dado gênero ou por amar de uma determinada forma. Um tempo em que a maioria impunha sua diversão sobre o sangue, a história e o sofrimento de uma minoria. Não precisa ser assim.
Dá pra rir sem pisar em ninguém. Já viu os vídeos do Whindersson que ele conta da infância dele, das histórias com a mãe dele? Eu rolo de rir, principalmente porque ele não está detonando uma outra pessoa, mas está falando da minha vida, porque as histórias dele com a mãe são as minhas histórias com a minha mãe. Eu estou rindo de mim! E esse riso não é opressor, pelo contrário, ele é libertador. Não me causa vergonha, me dá um calor danado no peito, uma saudade gigante da minha mãe e um carinho enorme pelas lembranças de uma infância que foi maravilhosa com uma mãe, um pai e uma irmã que me amaram muito.
Esse riso é meu, é de mim, e eu assumo a responsabilidade do meu riso, sem causar nada a ninguém.
Então toda vez que alguém de alguma minoria reclama do humor do outro, não é mimimi ou frescura, mas o protesto de alguém que passou tempo demais em silêncio, rindo sem graça de piadas que ofendiam, aceitando calado um lugar que não escolheu e que não queria. A propósito, desconfiem de quem usa esse termo – “mimimi” – para se referir aos protestos de alguém, normalmente é um ser sentado em privilégios menosprezando o outro.
Quer saber? Esse é o teu desafio de mudança de hoje, achar formas genuínas de humor, que não ofendam, não diminuam, não ridicularizem. Conta aqui embaixo nos comentários do que você ri com a alma leve, sem crucificar ninguém. Comenta comigo porque eu quero ter mais fontes de risada na minha vida, porque eu adoro rir e prefiro fazer isso sem causar dano a ninguém. Beleza? Beleza!
Eu sou Eduardo Mesquita, e eu sei que está tudo acontecendo agora, então engole o choro, limpa o sangue e volta pro jogo!